Yanomami retém aviões da Funasa e esperam ser ouvidos pelo ministro Padilha

Fonte: ISA 01/06/2011 - disponível em: http://www.socioambiental.org/noticias/nsa/detalhe?id=3348
Yanomami e Ye’kuana estão dizendo com essas ações que não aceitam nomeações para cargos no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami, que não tenham sido aprovadas por eles ou que venham do senador Romero Jucá e esperam que o ministro da Saúde Alexandre Padilha entenda a gravidade da situação.

Nesta segunda-feira, 30 de maio, os Yanomami retiveram um avião da Funasa no município de Barcelos, no Amazonas. Foi a segunda aeronave em uma semana. A primeira foi retida na semana que passou e na sexta-feira (27/5) liberada. Com essas ações, os Yanomami e Ye’kuana estão dizendo que não aceitam nomeações para cargos no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami, que não tenham sido aprovadas por eles. Neste caso específico, os Yanomami e Ye’kuana escolheram Joana Claudete Mercês Schuertz para coordenadora do DSEY. Não querem Andréia Maia de Oliveira ligada a administrações anteriores da Funasa, e segundo consta foi indicada para o cargo – mas ainda não nomeada - pelo senador Romero Jucá (PMDB/RR).

Até a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) em outubro de 2010, a saúde indígena estava a cargo da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). O órgão passou a ser dirigido por pessoas indicadas pelo PMDB a partir de 2003. Durante quase uma década choveram críticas à ineficiência, à pratica de irregularidades e corrupção naquele órgão. Com a criação da Sesai, subordinada ao Ministério da Saúde, o secretário de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, Antonio Alves, com o apoio de organizações indígenas, passou a comandar a secretaria com o compromisso de por fim a corrupção e melhorar a qualidade do atendimento à saúde.

Desde essa época, entretanto, a Sesai parece não ter recebido do Governo o apoio que precisa para sair do papel. O prazo inicial para que tudo funcionasse era abril. Passou para dezembro, por determinação do próprio ministro da Saúde Alexandre Padilha que não parece empenhado em fazer com que ela funcione longe das denúncias de corrupção que marcaram a gestão da Funasa. Um exemplo mais do que significativo é o surgimento de nomes para ocupar cargos na gestão da nova secretaria, remanescentes da velha e desgastada Funasa.
davipadilha
Ministro Padilha com Antonio Alves e Davi Kopenawa Yanomami em março deste ano

Os indígenas estão inquietos, preocupados e com razão. Em março deste ano, em audiência com Davi Kopenawa Yanomami sobre a implantação da autonomia administrativa e financeira do Distrito de Saúde Yanomami, o ministro Alexandre Padilha afirmou: “Uma secretaria que atenda exclusivamente a saúde indígena é reivindicação antiga dos próprios indígenas. E agora é uma realidade. Mas, para que o trabalho da nova secretaria seja consolidado, nós precisamos da ajuda de vocês. São vocês que vão apontar o que precisam e os problemas, antes mesmo que eles aconteçam”.
Os Yanomami acreditaram nele e vêm cumprindo a sua parte, se manifestando contra a nomeação da indicação do senador do PMDB e esperam que o Ministro entenda a gravidade desta situação, que coloca em risco a saúde Yanomami, já deteriorada pela ação dos coordenadores anteriores.
O caso Yanomami
O cenário enfrentado pelos Yanomami (RR/AM) é um bom exemplo do que a política de atendimento à saúde indígena da Funasa representou para as populações indígenas e para os cofres públicos. Segundo dados publicados pela revista Época, na edição de 6 de setembro de 2005, desde que a Funasa retomou o atendimento direto a eles — antes sob a responsabilidade da ONG Urihi-Saúde Yanomami — os gastos passaram de R$ 8,4 milhões anuais (para todas as despesas), a R$ 15 milhões, sem contar o custo de remédios e transporte. Com a mudança, a hora de vôo, que custava R$ 690 reais, passou a custar R$ 1.300. As consequências no plano sanitário, no entanto, não produziram a melhora dos indicadores. Muito pelo contrário. A malária, controlada no período anterior, se alastrou e aumentou. Em 2003, foram 418 casos, enquanto em 2005 foram registrados 1.645 casos, quase quatro vezes mais.
Mesmo com aumento de verbas para o Distrito Yanomami, a qualidade do atendimento degringolou. Não se pode esquecer ainda que os dois últimos coordenadores da Funasa em Roraima, Ramiro Teixeira e Marcelo Lopes foram presos por operações da Polícia Federal (Metástase e Anopheles respectivamente) acusados de desvio de recursos públicos. Ambos foram indicados por Romero Jucá.
Diante disso é de se perguntar se a criação da Sesai é para valer e se o ministro Padilha vai afinal criar condições para ela seja definitivamente implantada, longe daqueles que a administraram e jogaram a saúde indígena de todo o País num caos total. Comenta-se nos bastidores do ministério da Saúde em Brasília que caso Alexandre Padilha não aceite a indicação dos Yanomami e insista na indicação de Jucá, o secretário Antonio Alves vai colocar seu cargo à disposição.
Breve história do caos
Enquanto a saúde indígena foi controlada pela Funasa, as reclamações se acentuaram nas regiões de todos os DSEIs, onde doenças anteriormente controladas retornavam com a intensidade de epidemias. Reportagem especial do site do Instituto Socioambiental (ISA) revelava, em 2006, que a desnutrição infantil era responsável pela morte de 48 crianças nas aldeias, em 2004, e de 50,9 em 2005, para cada grupo de mil indivíduos.
Atrasos no repasse de recursos deixavam os distritos sem médicos e sem medicamentos. A grita dos indígenas e de organizações socioambientalistas, em especial da Hutukara Associação Yanomami, levaram o Ministério Público Federal a investigar problemas com os convênios firmados para atendimento às comunidades indígenas, e que sofriam permanentes atrasos nos repasses de recursos. Dos Assurini do Trocará no Pará aos Guajajara no Maranhão; das etnias da região do Rio Negro, no Amazonas, aos povos do Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso; dos Yanomami em Roraima aos povos do Amapá e os Guarani do Mato Grosso do Sul, todos denunciaram graves problemas na gestão da Funasa, com resultados diretos na saúde das aldeias.

ISA, Instituto Socioambiental.