Indios Yanomami comemoram terra desintrusada

Felicidade!


06_05_2014

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Survival International: Celebrations as last cattle rancher leaves Yanomami territory in Brazil

Esta é a expressão que melhor define o sentimento do Povo Indígena Yanomami na região do Ajarani, extremo leste da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, quando receberam a notícia da retirada do último fazendeiro que ocupava a área, no último dia 30 de maio.


A alegria é resultado de uma longa espera de 22 anos, para receberem finalmente a terra indígena livre desses invasores.

Muitos de seus parentes que viviam no Ajarani padeceram principalmente decorrente de doenças causadas pela abertura da Perimetral Norte, e não puderam participar dessa comemoração.

No total doze fazendeiros, foram indenizados para saírem da região do Ajanari, onde vivem hoje cerca de 80 índios Yawaripë, subgrupo da etnia Yanomami.

Para Davi Kopenawa Yanomami, representante da Hutukara Associação Yanomami, o momento é de comemoração, a tradição permanece para as futuras gerações".

Durante o evento que contou com a presença de representantes da Funai, do Ministério Público Federal, do Instituto Sócioambiental – ISA, da Secretaria Especial de Saúde Indígena – Sesai, da Associação dos Povos Ye'kuana do Brasil– Apyb, Conselho Indígena de Roraima – CIR, além do prefeito e do vereador de Caracarai, muitos puderam falar da longa espera e dos desafios que ainda vão enfrentar pela frente, para manter a terra livre da ação dos garimpeiros ilegais, que insistem em explorar aquela região.

O cadeado na porteira e a placa de acesso negado, no limite da Terra Indígena, é apenas uma das formas da Fundação Nacional do Índio mostrar que, a partir da desintrusão, está proibida a entrada sem autorização do órgão e dos indígenas naquela região.

Segundo o chefe da Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye´kuana - FPEYY, até chegar neste momento foram muitas lutas, "chegar este momento é de muita felicidade, tudo foi feito dentro da legalidade sem nenhum derramamento de sangue ".

O procurador do Ministério Público Federal lembrou que se hoje a terra está desocupada, isso se deve a força e luta do povo Yanomami, " a única grande terra que restava para desintrusar era essa. Essa desocupação é fruto do Termo de Ajuste de Conduta firmado entre os órgãos que participaram desta ação ".

Mário de castro, coordenador geral do Cir, lembrou que um grande desafio que o povo Yanomami tem, é proibir a entrada de bebida alcoolica e droga na terra indígena Yanomami, o que tem causado grandes prejuízos para a cultura daquele povo.

Informações da extinta Comissão Pró Yanomami - CCPY revelam que o alcoolismo e a malária são os dois principais problemas enfrentados pelas famílias do Ajarani. Esses problemas foram causados devido a degradação ambiental e conflitos pela posse dos recursos naturais, provocados pela longa permanência de fazendeiros e posseiros no vale do Ajarani. Outros problemas, com grandes impactos sobre a saúde, foram registrados ao longo dos anos. Um exemplo foi a arregimentação de índios como mão-de-obra para as fazendas e sítios: além de trabalharem em condições que não observavam as mais elementares regras do direito trabalhista, esta relação favoreceu a introdução de hábitos nefastos entre as famílias indígenas, como o consumo recorrente de bebidas alcoólicas.

Como ocorreu a invasão na terra indígena

Os problemas que afligem os Yanomami moradores do Ajarani, região também conhecida como "Repartimento", tiveram início na década de 70, com a abertura da BR-210, a Perimetral Norte, que, ao lado da Transamazônica (BR-230), constituía o projeto central do Plano de Integração Nacional (PIN), deflagrado pelo então presidente Emílio Garrastazu Médici. No caso da Perimetral, sua finalidade era induzir a ocupação ao longo da fronteira da calha norte do rio Amazonas, por meio da criação de núcleos de colonização. Foi na região do Ajarani que os operários da construtora Camargo Corrêa se depararam com os Yawaripë, um dos subgrupos yanomami que habitam a região.

A construção da estrada, após avançar mais de 100 quilômetros pelas terras tradicionalmente habitadas pelos Yanomami, foi interrompida, deixando um rastro de depopulação e desagregação cultural na região pela qual passou. Em 1979, um relatório produzido pela antropóloga Alcida Ramos, informava sobre as desastrosas conseqüências do contato ocorrido anos antes no vale do rio Ajarani: desaldeamento dos Yanomami, alcoolismo, mendicância, prostituição feminina e disseminação de doenças altamente contagiosas, como tuberculose e doenças venéreas.

Em 1977, o Incra criou o Distrito Agropecuário de Roraima, um amplo projeto de colonização agropecuária instalado sobre 600 mil hectares, às margens da Perimetral Norte, incluindo grande parte das terras tradicionais dos Yawaripë. À revelia da inegável presença dos índios, contrariando mesmo a Constituição e a legislação da época, o órgão fundiário federal iniciou a titulação e a venda de lotes aos colonos, de modo a consolidar a ocupação no Ajarani. Entretanto - e apesar da desastrosa convivência com os colonos -, nos anos seguintes, os Yawaripë não abandonaram a região, instalando três malocas e iniciando uma disputa com os intrusos pelos recursos necessários às suas demandas tradicionais, como a caça, a pesca e áreas para o plantio de roças.
Pela Constituição Federal de 1988 (páragrafo segundo do artigo 231), "as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes". Embora a Terra Indígena Yanomami tenha sido demarcada e homologada desde maio de 1992, os intrusos do Ajarani permaneceram fazendo uso de recursos existentes dentro da área reconhecida oficialmente pelo Estado brasileiro como Yanomami por 22 anos.

Entenda o processo de desintrusão

A retirada dos invasores do Ajarani foi demandada pelos Yanomami desde a conclusão da demarcação de suas terras, ocorrida em 1991. Em junho de 2011, 133 representantes de várias malocas yanomami enviaram uma carta ao então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, reivindicando a retirada dos invasores. "Nós, os moradores da floresta, não queremos os fazendeiros, eles estão derrubando e queimando a nossa floresta, plantando capim e introduzindo muito gado e estamos muito preocupados porque eles dizem que querem matar os Yanomami", escreveram.

Um levantamento realizado pela Funai, em 1993, serviu como referência para um novo cálculo das indenizações pelas benfeitorias erguidas pelos posseiros. À época em que foi realizado, foram identificados 37 ocupantes indenizáveis, que demandariam R$ 1,5 milhão em indenizações. Entretanto, a Funai teve informações de que novos intrusos invadiram Ajarani desde esta última contagem.

A Funai realizou ainda uma atualização dos dados do levantamento realizado em 1993, incluindo a verificação da existência de novas benfeitorias, para que então o valor pago fosse atualizado, inclusive monetariamente.

A demora da desocupação dos não índios na Terra Indígena Yanomami, também foi motivada por ações que tramitaram na Justiça Federal de Roraima, de demarcação pública de fazendeiros contra a Funai. Embora o ingresso em juízo tenha ocorrido em 1991, apenas em 1999 o pedido de laudo pericial sobre o assunto foi deferido pelo juiz da 1ª Vara da Justiça Federal em Boa Vista. Realizado pela antropóloga Nádia Farage, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o laudo foi entregue em janeiro de 2000.

Informações: Comissão Pro Yanomami

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