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Entenda a preocupação dos ambientalistas e o convite para discutir com sociedade

Fonte: http://folhabv.com.br/noticia.php?id=147167#.UTDNCVZQrOQ.facebook


ALEXSANDRA SAMPAIO
Da Equipe FolhaWeb


O Departamento do curso de Administração, da Universidade Federal de Roraima (UFRR), traz a tona hoje (01) mais uma vez a discussão de um tema polêmico entre os moradores, empresários, ambientalistas e políticos do estado. Durante a realização do 1º Seminário de Temáticas Especiais, será realizada uma palestra abordando ‘Prós, Contra e Alternativas da Implantação de Hidrelétricas em Roraima’.

O debate está marcado para iniciar às 19h, no auditório do Pronat, na UFRR. A mesa de discussões será formada por ambientalistas, representantes da Companhia Energática de Roraima (Cerr), da Eletrobrás e do Ministério Público Federal.

A FolhaWeb conversou com um dos debatedores do evento, o biólogo do Instituto Socioambiental (ISA), Ciro Campos, sobre a necessidade de se realizar discussões como essa, antes de bater o martelo para construção de hidrelétricas em Roraima, especialmente a da Corredeira do Bem-Querer.

Para ele, são encontros dessa natureza que deveriam ter sido realizados antes mesmo de o governo federal decidir pela construção da hidrelétrica. “São nesses espaços que a população pode encontrar esclarecimentos sobre o impacto não só ambiental, mas principalmente, social que uma obra dessa grandeza pode trazer para os moradores das cidades localizadas ao redor da obra de uma hidrelétrica”, explica.

O biólogo afirma que, na verdade, antes mesmo de discutir os problemas com a população, o governo federal deveria também ter feito um estudo sobre a real necessidade de energia em termos quantitativos para atender o estado de Roraima, seja nas residências, no comércio e na indústria.

“A decisão para construir uma obra desse tamanho tem que ser tomada depois que todas as alternativas se mostrarem inviáveis. Então se não tem outra forma, faz. Mas o problema é que isso não foi feito. O nosso ponto de partida, já foi com a decisão de construir a hidrelétrica”, critica.

No seu entendimento, a construção da hidrelétrica do Bem Querer terá como principal prejuízo para a qualidade de vida da população de Roraima o alagamento permanente de 150 km ao longo do Rio Branco.

“Isso significa que será um alagamento que começa na corredeira do Bem Querer, no município de Caracaraí, e vai até as proximidades do Forte São Joaquim. O Rio Branco vai ficar para sempre em estado de cheia e parado, com uma correnteza tão pequena que será imperceptível. A praia Grande, por exemplo, desaparecerá”, explica.

Campos completa explicando que só valeria a pena construir uma hidrelétrica dessa magnitude e com os prejuízos ambientais que uma obra dessa oferece, se algum estudo do quantitativo de energia para estado de Roraima fosse apresentado à população para justificar essa necessidade. “E se há alternativas energéticas que possam reduzir as perdas, que são muito grandes, algo em torno de 20%”, ressalta.


Apesar de ter uma extensão próxima a de Belo Monte, a UH Bem Querer terá uma geração de energia 10 vezes menor que a do Pará

A população precisa saber antecipadamente sobre os prejuízos ambientais e sociais

Para o biólogo, não há interesse por parte do governo federal em divulgar os reais prejuízos que uma obra como a construção de hidrelétrica traz para a população onde ela está inserida. “Está comprovado que causa um aumento significativo na criminalidade, na exploração sexual - inclusive de crianças, no tráfico de drogas e no custo de vida”, informa.

Outro ponto criticado por Ciro é com relação à expectativa de geração de empregos. Segundo ele, é preciso avaliar com muito cuidado essa questão, pois o que acontece nos outros lugares onde há a construção de hidrelétricas é que a migração de pessoas para a região das obras, é muito maior que o número de empregos.

“Ou seja, tem-se uma expectativa para criar novos postos de trabalho, porém esses lugares atraem um número muito maior de migrantes. Ao final da obra, a cidade pode ter um percentual de desemprego até muito maior do que tinha, antes de iniciar a construção da hidrelétrica”, explica.

Por fim, Campos aponta alguns desses prejuízos como a questão da segurança pública, do aumento do custo de vida e dos alugueis que estão acontecendo em Altamira (PA) e que hoje estão visíveis para quem quiser enxergar.

“O aumento na apreensão de crack foi de 900%. O aumento de casos registrados no conselho tutelar de 150%. Ou seja, tem um prejuízo ambiental, mas tem, além disso, um prejuízo social que a população precisa ter conhecimento para ter a oportunidade de escolher. Mas para isso precisa de informação”, argumenta.

Ele critica o posicionamento da classe política em tentar acalmar os ânimos de quem quer promover o debate, alegando que é necessário esperar o momento certo para a realização das audiências públicas. No entanto, a data prevista para realizar as audiências é durante a fase final do processo.

“A sociedade já deveria chegar às audiências públicas, sabendo - em detalhes, de todos os prós e contras porque é muito complexo. Não dá para a sociedade se inteirar disso em um ou dois dias de audiências. O debate para que a sociedade pudesse escolher, pudesse pesar os prós e contras já devia ter começado”, afirma.

10 VEZES MENOS

Outra questão curiosa abordada pelo biólogo, trata-se da extensão da hidrelétrica do Bem Querer, se comparada a obra de Belo Monte. Enquanto a extensão da hidrelétrica de Belo Monte é de quase 600 metros quadrados, o projeto do Bem Querer prevê uma área de 560 quilômetros quadrados, mas com uma geração de energia muito menor.

“A geração de energia de Bem Querer é 10 vezes menor que a de Belo Monte. Ou seja, a gente causa um impacto semelhante no rio, mas gera 10 vezes menos. Então dentro do próprio setor elétrico do governo federal existe uma crítica à qualidade técnica desse projeto”, afirma.


Para o biólogo Ciro Campos, o povo de Roraima se orgulha do Rio Branco e por isso será motivado a se mobilizar

A defesa do Rio Branco é a única forma de chamar a atenção do povo


Questionado sobre a possibilidade de conseguir interromper o andamento do procedimento administrativo determinado pelo governo federal, Ciro Campos afirma que a única forma de chamar a atenção da população é divulgar os prejuízos que o principal rio do estado terá com a construção da hidrelétrica do Bem Querer.

“O rio branco é a única coisa em Roraima capaz de mobilizar o povo. Outras questões como desmatamento, biodiversidade, aquecimento global, todos esses temas são muito subjetivos. É difícil para quem está pensando no emprego, no futuro do seu filho, se preocupar com biodiversidade. Porém, com o rio Branco não, porque ele é um patrimônio do qual o povo roraimense se identifica e se orgulha”, garante.

Atualmente, existe um processo em andamento na Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fermarh) com um pedido de licenciamento ambiental. No entanto, esse estudo ainda nem começou a ser feito, segundo Ciro, uma vez que o órgão ambiental está discutindo a possibilidade de repassar esse estudo para o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente).


Plano do governo prevê a construção de mais 3 obras em RR e 30 na Amazônia

O assessor técnico do ISA explica que o Plano do Governo Federal para os próximos 10 anos é construir na Amazônia um total de 30 hidrelétricas, sendo que quatro delas no estado de Roraima. A primeira que já está em andamento é da usina hidrelétrica de Bem Querer, no rio Branco, localizada no município de Caracaraí.

Conforme o biólogo, existem na verdade duas situações que motivam o governo federal a investir na construção da hidrelétrica nessa região. Uma delas é a necessidade de aumentar o acesso do povo da floresta à energia elétrica, pois ainda existe uma boa parte da população amazônica que não possui energia.

“Por outro lado, isso também visa atender o aumento das exportações de minério e celulose, principalmente. De quase 10% de tudo o que o país produz hoje de energia é exportado na forma desses produtos, que exigem um consumo de energia muito grande. Mesmo assim, o governo quer aumentar ainda mais essa exportação”, afirmou Campos.

O objetivo do governo com essa estratégia é até 2020 levar o país a uma inserção na economia mundial, levando em consideração que a dinâmica dos países que mais crescem hoje está relacionada à exportação desses produtos: minérios e derivados, papel e celulose.

“A gente está trocando o nosso patrimônio da Amazônia para abastecer e ajudar o desenvolvimento de outros países mundo afora. Essa lógica é que precisa ser questionada. O nosso plano de desenvolvimento como nação e como estado, precisa ser discutido: o que queremos? Qual é o modelo de indústria que queremos para o Brasil e para Roraima?”, questiona.

Ele afirma que se o plano do Brasil é investir cada vez mais em indústria eletro intensiva, baseada na exportação de produtos que consomem muita energia, “então não vai ter hidrelétrica que baste”. “Se a sociedade escolher um modelo industrial, baseado na exportação de minérios e derivados, papel e celulose, então toda a Amazônia vai ser transformada em hidrelétrica”, critica.

“Agora se a gente reorientar a nossa indústria para produtos que utilizem menos energia, não haverá necessidade de tantos prejuízos ambientais e sociais como os que uma hidrelétrica causa. A lógica deve ser sempre o bem do povo. Não vale a pena o sacrifício por outra razão que não seja para melhorar a vida do povo. No entanto, se a gente quiser trazer esse tipo de indústria para Roraima, então o Rio Branco vai ter que ser sacrificado”, lamenta.

Outro ponto levantado por Campos é quanto ao poderoso lobby que as empresas de construção civil exercem na classe política do país. Ele citou uma reportagem do jornal paulista Folha de São Paulo que apresentou as 10 empresas que mais doaram nas eleições nos últimos dez anos no Brasil. Segundo a reportagem, as quatro primeiras posições são de empreiteiras: Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão.

O link da matéria mencionada pelo biólogo do ISA é:
http://www1.folha.uol.com.br/poder/1217807-maiores-doadoras-somam-gasto-de-r-1-bilhao-desde-2002.shtml